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PodTEXT | O que o apagão me ensinou sobre dinheiro e finanças pessoais

No dia em que a eletricidade falhou em Portugal, percebi uma coisa muito importante: muitos de nós só damos valor ao que temos quando nos falta. Neste episódio, partilho as lições que aprendi durante o apagão e como elas se aplicam diretamente à forma como gerimos o nosso dinheiro. Por que é que viver sem luz por umas horas me fez repensar as minhas finanças?

PodTEXT | O que o apagão me ensinou sobre dinheiro e finanças pessoais

[Introdução - Pedro Andersson]

Olá! Sou o Pedro Andersson, jornalista especializado em finanças pessoais, e aproveito as minhas viagens de carro para falar consigo sobre dinheiro. Juntos vamos gerir as nossas finanças da forma mais inteligente para termos mais dinheiro ao fim do mês ou ao fim do ano.

Ora, como sabe, faltou a luz em Portugal e de norte a sul não havia casas com eletricidade em lado nenhum. A eletricidade que havia era a partir de geradores ou de pessoas que tinham baterias com energia suficiente para alimentar a sua casa e os seus equipamentos. E já não via este pânico há muito tempo.

A última vez que vi as pessoas agir desta maneira foi durante a pandemia. Ou seja, as pessoas de um momento para o outro, perceberam que ou não tinham comida, ou não tinham lanternas e foram a correr para os supermercados e compraram de tudo aos montes, água, papel higiénico, pilhas, comida. O que senti foi que houve alguma coisa aqui que correu muito mal.

Vi muitas pessoas ansiosas, preocupadas, e a única solução que encontraram para lidar com isso foi comprar coisas ao preço que estivessem. Claro que podem dizer que é mesmo assim, que num momento destes o preço não interessa e é mesmo assim que funciona.

Mas ao olhar para este cenário que nos afetou a todos, pensei que de facto isto tem uma enorme aplicação na forma como lidamos também com as finanças pessoais, nomeadamente o famoso fundo de emergência. Nesta circunstância, especificamente, em que surgia a hipótese de ficarmos 72 horas sem energia elétrica, ora, isso é preocupante, como é óbvio.

Mas antes de mais, deixem-me dar-vos um contexto pessoal: eu cresci numa aldeia, no sopé da Serra da Estrela, e por lá faltar a luz era uma coisa perfeitamente normal nos anos 80 e também ainda nos anos 90. Então, penso que em todas as casas da aldeia, como é óbvio, havia velas, fósforos e candeeiros a petróleo. Portanto, o simples facto de faltar a luz, coisa que já não acontece em Portugal nas grandes cidades já há muito tempo – não me lembro da última vez que houve uma falha grave geral –, causou o pânico.

O meu primeiro pensamento foi, ok, faltou a luz e agora temos de lidar com isto. Pode eventualmente faltar a água também. Porquê? Porque é preciso motores para fazer chegar água a sítios mais altos. Mas para todas essas coisas fui encontrando soluções necessárias, que são as soluções de quem já está preparado para este tipo de situações.

Como já vos disse, tenho uma mochila de emergência com duas lanternas, pilhas, medicamentos que usamos, um kit médico, documentos, etc. Tenho sempre três garrafões de cinco litros de água guardados no sótão e vou verificando as datas de validade, portanto, não íamos morrer à sede em 72 horas, se fosse o caso. Comida enlatada também tenho um daqueles sacos grandes cheio de enlatados, também para qualquer emergência que surja. Isto foi o que juntei, à primeira vista, para uma emergência tipo terremoto, incêndio, foi uma coisa mais genérica.

Mas confesso que não me lembrei da falha de eletricidade, mas pronto, de qualquer forma não morríamos à fome nem à sede. Dentro do saco também tenho alguns rolos de papel higiénico, portanto, isso também foi uma coisa com que não me preocupei.

Quando faltou a luz, estava no trabalho, estava na redação da SIC, a minha mulher também estava no trabalho e o miúdo na escola. Continuámos no trabalho e só combinámos quem é que ia buscar o miúdo mais cedo e basicamente continuámos a nossa vida normal. Não nos ocorreu ir para os supermercados fazer compras.

O que é que vos quero dizer com esta conversa? É que a organização prévia, o facto de termos um kit de emergência, que é o equivalente ao fundo de emergência financeiro, não resolve os problemas do dia-a-dia, porque nem sabemos se algum dia vamos mesmo ter de usar essas coisas ou não, mas a lição é que ter um kit de emergência, assim como ter um fundo de emergência, retira ansiedade da nossa vida.

O simples facto de existir torna a nossa vida mais calma e acho que é essa a primeira grande lição que devemos retirar desta situação. A segunda grande lição é que não sabemos quando é que uma emergência vai acontecer e este caso é exemplar.

Foi às 11h33 de uma segunda-feira, de uma forma completamente inesperada, e sem sabermos quanto tempo ia durar a emergência. Nós só precisamos de não entrar em pânico quando a emergência acontece, por isso é que é muito importante que vamos preparando um kit de emergência e um fundo de emergência. Por favor, faça isto.

Faça um fundo de emergência financeiro com seis a 12 meses das suas despesas mensais, o que é mais complicado de fazer do que um kit de emergência – isso é uma mochila que em dois ou três dias fica completa –, mas que é importante.

Podemos demorar seis meses, podemos demorar um ano, podemos demorar dois anos. Não interessa o tempo que demora, porque o simples facto de começar a pôr dinheiro de lado, em certificados de aforro, por exemplo, para atingir um valor que só você saberá qual é, mas que eu aponto para entre cinco e dez mil euros, só para termos um valor normal na nossa cabeça, só o simples facto de já estarmos a começar a juntar para esse valor já é uma mudança, às vezes, radical na nossa vida.

Porque ir olhando para o saldo dos certificados de aforro todos os meses e começar a perceber que o dinheiro vai aumentando, pronto, se houver alguma coisa, já estamos mais descansados. E quando começamos a ver o dinheiro a crescer, porque está longe da nossa vista, está longe da nossa conta à ordem, começamos a perceber que afinal é possível.

E depois, com o efeito dos juros compostos, começamos a perceber também que o nosso dinheiro cresce sozinho quando juntamos os juros ao nosso saldo e ele multiplica o valor nele próprio. E começamos a compreender como é que o dinheiro funciona. Isto é extraordinário.

E como é que começa este processo? Lá está, com o fundo de emergência, que é o nosso kit de emergência, que serve para nos ajudar a dormir descansados. É esse o efeito pretendido. Portanto, não o desvalorize, não pense que logo se vê.

Depois também aprendi outras lições importantes. Reparei que houve muitas pessoas que tinham decidido eletrificar completamente a casa, ou seja, abdicar do gás, e eu próprio também já pensei nisso várias vezes, mas isto fez-me pensar que, de facto, a diversificação pode ser muito importante.

Neste apagão, eu que ainda tenho fogão a gás e tenho esquentador a gás, neste caso específico não tive esquentador, mas tive fogão. Ou seja, apesar de não haver eletricidade, eu tinha a possibilidade de aquecer água no fogão. Acho que o esquentador não funcionou porque precisa de eletricidade para começar a funcionar, mas pronto, a expectativa também era que a eletricidade voltasse em algumas horas, por isso não foi preocupante.

Seja como for, já tinha o plano B, que era aquecer água para tomar banho no fogão, conseguimos cozinhar nessa mesma noite, às escuras, mas pronto, isto ensinou-me essa lição também em termos financeiros, que é importante termos os nossos investimentos e poupanças em vários locais não apenas um, mas no mínimo dois, talvez três, cada um deles com rentabilidades diferentes e liquidez diferente também.

Embora seja muito interessante ter apenas um produto, neste caso, o que verifiquei é que nesta circunstância específica, no dia-a-dia é útil ter só eletricidade em vez de eletricidade e gás, porque há várias taxas e valores que, sendo assim, não se repetem, não duplicam. Contudo, nestas situações que nunca sabemos quando é que vão acontecer, de facto fez a diferença ter os dois produtos, ter a eletricidade e ter o gás.

Por falar em liquidez, porque é que é importante termos sempre a possibilidade de resgatarmos parte do nosso dinheiro de forma imediata? Lembram-se que demorou várias horas, há aquele sistema chamado Black Start, e acabámos por descobrir que há apenas duas centrais que podem começar eletricidade a partir do zero em Portugal e isso demora, no mínimo, dez horas até que a eletricidade comece a entrar na rede de forma segura.

A expectativa inicial, era de 72 horas, agora imagine que está numa emergência financeira e que precisa do dinheiro agora e que não pode esperar três dias? Imagine que tem todo o seu dinheiro em certificados de aforro, depósitos a prazo, mas apercebe-se que mesmo que dê a instrução de transferência neste momento, o dinheiro só lhe cai na conta em dois dias úteis?

É por isso que é tão importante ter um fundo de maneio, e tem um episódio mais para trás também sobre isso, que é uma parte do nosso fundo de emergência que obrigatoriamente, ou preferencialmente, deve estar à ordem. Portanto, é só ir ao multibanco e levantar, ou é só ir à aplicação no telemóvel ou ao home banking e fazer uma transferência ou um pagamento.

Já agora, também é importante ter essa liquidez em dinheiro físico. No tal kit de emergência, na nossa mochila pronta a sair de casa em qualquer situação, nesse kit de emergência devemos ter uma carteira plástica à prova de água com dinheiro vivo. Pelo menos entre 100 e 200 euros seria um valor ideal para termos liquidez. Lembrem-se da tal demora até termos a eletricidade em casa. Uma coisa é o que queremos, outra coisa é o tempo normal que as coisas precisam.

Depois chegamos às compras da aflição. A confusão que me fez ver aquelas filas nos hipermercados. A aflição que me fez ver as prateleiras vazias. Porquê? Porque se nós tivéssemos aquele kit de emergência com os tais enlatados, com os garrafões de água ou as garrafas de água, com bens essenciais, um pacote de bolachas, um pacote de arroz, um pacote de massa, toda esta pressa era completamente desnecessária.

Foi por isso que não fui para essas filas. Em termos financeiros, termos o fundo de emergência, que nos vai impedir de fazer créditos em aflição ou de pedir emprestado a alguém. Esta é outra lição.

Outra coisa que também achei interessante é que num caso de emergência como este, que reparem, só durou dez horas, não foi o fim do mundo, mas reparei que nessas tais compras da aflição havia muita gente a fazer compras completamente irracionais.

Deixem-me dar-vos um exemplo. Vi na televisão vários carrinhos de compras cheios com carne e peixe. Não havendo eletricidade, onde é que iam guardar essa comida? Essa comida vai estragar-se. A menos que tenha um gerador, mas não será a maior parte das pessoas que tem um gerador. Houve muita gente a fazer compras impulsivas, que não eram necessárias, simplesmente por aflição.

O que é que acontece muitas vezes também em termos financeiros? Às vezes, durante o dia-a-dia, não sabemos controlar os nossos consumos. A técnica da lista de compras é básica e funciona. Quando estamos com uma grande ansiedade, há um risco muito grande de comprarmos coisas que não precisamos.

E quero alertar para este fenómeno psicológico, que não tem diretamente a ver com a aflição financeira, mas mesmo no nosso dia-a-dia, quando estamos em stress, temos a tendência de nos compensarmos com compras. E isso é uma armadilha financeira muito grande.

Por último, queria falar-vos de um pormenor muito interessante que já tinha identificado na pandemia e também na altura dos incêndios, que é a necessidade de termos a tal mochila de emergência. Entretanto, a Europa também veio dizer que os cidadãos devem estar sempre preparados para pelo menos 72 horas isolados, para terem esse tal kit de emergência, sobretudo porque se fala de situações de guerra, situações cada vez mais instáveis, emergências climatéricas, enfim.

E nas redes sociais apercebi-me de muitas pessoas, algumas até figuras públicas, que vieram comentar a sua própria situação, dizendo que sempre que se fala no kit de emergência, ficam ainda mais ansiosas. Parece que o simples facto de se falar nisso ainda causa mais ansiedade a algumas pessoas.

Ora, não sendo psicólogo, mas dando alguns conselhos, aquilo que quero dizer a todos é que da mesma forma que podemos vencer esses medos em relação a situações físicas, também os podemos vencer em situações financeiras. E qual é a minha sugestão? É simplesmente começar.

Em vez de estar a pensar em que como deve fazer e que não sabe ou percebe, comece. Em relação ao kit de emergência é simples, pegue num caixote, pegue num saco e meta lá aquilo que já tiver em casa. Se tem uma lanterna, meta lá a lanterna. Se tem pilhas, meta lá as pilhas. Se não tem uma lanterna, se não tem as pilhas, da próxima vez que for à rua vai tratar de comprar uma lanterna e pilhas.

Compre também um rádio a pilhas e mete no mesmo saco. O que importa é começar. Se tiver quatro latas de atum na dispensa, tire essas latas de atum da dispensa e meta também nesse saco. Tem aí um pacote de arroz e um pacote de massa na dispensa? Ok. Meta também nesse saquito ou nessa mochila. Já está feito. Tem uma garrafa de litro e meio de água em casa? Ok. Pegue nessa garrafa de litro e meio e meta nesse saco ou nesse caixote. Faça o mesmo com medicamentos que use diariamente e com outros básicos do dia-a-dia e meta no saco.

Não se preocupe agora nesta fase com os prazos de validade. Isso vê depois daqui a seis meses, daqui a um ano, quando se lembrar. Mas comece a juntar essas coisas. E não se esqueça do dinheiro vivo, numa bolsa que seja à prova de água, e põe para dentro do saco também.

Pronto, já não precisa de pensar mais no assunto, já tem um kit de emergência. Faça e não pense mais nisso, porque isto é simples. Se fosse ao médico e o médico lhe dissesse, meu amigo, agora tem de fazer para salvar a si e cuidar dos seus filhos, tem de acordar todos os dias às cinco da manhã, tomar este comprimido, estar três horas em jejum e fazer isto e mais aquilo. Se nos dissessem isto, fazíamos sem pensar. Isto é mais simples, é pôr coisas num saco.

Em termos financeiros, aplica-se o mesmo. Comece, nem que seja com cinco ou dez euros, mas comece a pôr de parte. Depois quando tiver 100 euros vai fazer certificados de aforro, é só fazer num dia em que se lembre e já está.

É criar o hábito, começando com poupanças pequenas e depois vai subindo. O mesmo se pode aplicar a fazer um PPR, por exemplo. Se não sabe, vai ao seu banco e pergunta, escolhe um e começa com valores baixos. Demore o tempo que demorar até estar melhor, o que importa é começar. É preciso começar do zero e devagarinho, com valores pequenos.

As autoridades em Portugal, quem cuida da rede elétrica nacional, não clicou num botão e ligou a luz em todo o país, senão dava tudo o berro. Começaram lá em cima, depois começaram a ligar a eletricidade ali nas localidades à volta, depois foram para o Porto, depois vieram cá mais para baixo.

É isso que tem de fazer com as suas finanças pessoais. Ligue o sistema e depois comece a alimentar o sistema, devagarinho, devagarinho, devagarinho, e daqui a três meses, daqui a seis meses, daqui a um ano, daqui a três anos, daqui a cinco anos, daqui a dez anos, vai ficar surpreendido com os resultados que obteve. Mas não espere logo resultados imediatos.

Podemos aprender muitas coisas importantes das coisas más que nos acontecem, mas para aprender dessas más experiências é importante depois fazer alguma coisa com esse conhecimento. Portanto, neste caso específico, é o fundo de emergência.

Se não começou, é começar. Se já começou, é continuar a reforçar. É utilizar este conceito de Black Start, ou seja, começar do zero, devagarinho, de uma forma consistente, de uma forma planeada, para depois termos uma vida normal, com menos ansiedade, quer em relação à nossa vida diária quer em relação à nossa vida financeira.

Pense um bocadinho nisto. Obrigada por estar desse lado, é sempre um prazer.

Boas poupanças!

Aprenda a gerir melhor o seu dinheiro

 Lições que todos podemos aprender:

  • A importância de ter um "plano B" — seja uma lanterna em casa ou um fundo de emergência. 
  • O que acontece quando dependemos 100% de uma só fonte (de energia ou de rendimento).
  • A diferença entre ter o essencial e viver com excesso — e como isso pesa na carteira.
  • Como preparar-se para “apagões financeiros”: desemprego, despesas inesperadas ou cortes salariais.

É um episódio prático, com paralelismos simples, exemplos reais e dicas que pode começar a aplicar hoje mesmo para proteger melhor o seu dinheiro — antes que “falte a luz”.

Boas poupanças!

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