Em entrevista à LUSA, a DECO refere que cada vez mais pessoas recorrem ao crédito para pagar a renda e até a prestação. O alerta para esta realidade é dado pela coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GPF) da Deco, Natália Nunes, que referiu que esta é uma situação que acaba a contribuir para um cenário de maior endividamento. Ou seja, digo eu, acabam por cavar um buraco ainda maior. Mas questão é: que alternativa têm, quando a outra opção é perder a casa e dormir na rua?
"Temos muitas famílias a recorrer a crédito para conseguir manter não só a prestação da casa, mas também a própria renda da casa", precisou Natália Nunes, notando que, apesar de esta solução se poder tornar um perigo para a gestão do orçamento familiar, é muitas vezes a única alternativa.
Segundo a coordenadora do GPF, são muitas as famílias que estão no mercado de arrendamento e com contratos a termo que, quando estes terminam, se veem confrontadas com a necessidade de procurar uma nova casa, com valores de renda elevados.
E, muitas vezes, "a forma que têm para conseguir pagar o mês da caução, o primeiro mês de renda, é recorrer a crédito", acentua, precisando que perante a falta de resposta do mercado, as famílias acabam por se sujeitar a pagar valores que estão muito para lá daquilo que é o seu orçamento.
Ainda sem dados fechados sobre o ano de 2024, a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira assinala que ao longo dos últimos quatro anos se tem registado "um aumento significativo do número de famílias em situação de dificuldade".
"É verdade que estamos com as taxas [de juro] a descer, mas a verdade é que as prestações [do empréstimo da casa] continuam significativamente elevadas face àquilo que tínhamos em 2021", diz Natália Nunes, acrescentando que as dificuldades vêm do facto de ao elevado custo da fatura da casa se somar a cada vez mais cara conta do supermercado ou dos serviços essenciais – despesas que "subiram de forma bastante significativa", lembra.
Esta crise é diferente para quem ganha pouco
A par deste agravamento das dificuldades causado pela subida do custo de vida acima do aumento dos rendimentos, Natália Nunes nota ainda outra diferença face à situação vivida nas crises de 2008 e 2012.
Agora, refere, "estamos a falar de outra realidade" porque olhando para as famílias que recorreram ao apoio da Deco ao longo deste ano, em 2024, verifica-se "que mais de 75%" está a trabalhar, tem rendimentos do seu trabalho.
"Portanto, não é a questão do desemprego, não é a questão da diminuição dos rendimentos por esta via que está a levar as famílias a estar em dificuldades. É precisamente pelo lado da despesa, ou seja, as despesas estão a aumentar muito para além daquilo que é o aumento dos rendimentos", sublinha.
"Hoje, eu diria que para as famílias que têm rendimentos mais baixos é uma aventura conseguirem sobreviver e fazer face a tudo aquilo que é as despesas essenciais para a sobrevivência da própria família", acentua a coordenadora do GPF.
A única vantagem face às anteriores crises, remata, é que houve alguma aprendizagem por parte das famílias para se prepararem, dos bancos e do próprio regulador que acabou por ganhar outras ferramentas.
O que podemos fazer
Eu sei que para quem já está nesta situação, qualquer conselho é inútil e até quase ofensivo. Nestas situações é mesmo pedir ajuda às instituições, ao Estado e amigos para tentar reverter esses créditos o mais depressa possível e começar do zero.
Mas o que gostava é que quem ainda não está nestas situações dramáticas, percebesse a importância da constituição - enquanto podem - do famoso Fundo de emergência. Ele pode ser usado, por exemplo, nestas situações em que tem de dar 3 meses de caução numa renda de casa.
Basta essa situação de “não emergência” para ter de encontrar 3 mil euros do pé para a mão. Teria neste instante esse dinheiro, se estivesse nessa situação? Mais as despesas de novos contratos e outras que podem surgir com verdadeiras emergências?
É por isso que é tão importante ter literacia financeira e pagarmo-nos a nós próprios todos os meses assim que começamos a ter rendimentos.
Muitos de nós achamos que este tipo de situações nunca nos vão acontecer, mas olhe que às vezes é só uma questão de tempo.
O desemprego está historicamente baixo, mas os salários não estão a ser suficientes para quem ganha pouco fazer frente ao custo de vida.
Isto é uma lição também, para que tente encontrar o mais depressa possível outras fontes de rendimento que complementem o seu salário (se for muito baixo). Se estiverem à espera que seja o Estado a resolver, bem podem esperar. O mais certo é acontecer aquilo que a DECO revelou hoje, quem está aflito acaba por recorrer ao crédito. E quem agradece são os bancos e financeiras. E as pessoas fica ainda pior do que estava antes.