
Desde 2024, jovens até aos 35 anos têm acesso a um mecanismo que permite ao Estado servir de fiador até 15% do valor de aquisição de uma casa. Isto significa que, na prática, estes jovens conseguem obter financiamento bancário para a totalidade do valor do imóvel, contornando a tradicional necessidade de uma entrada de 10% (ou mais).
Na linguagem técnica, diz-se que estes contratos têm um rácio LTV (loan-to-value) de 100%. Este rácio mede a relação entre o valor do empréstimo e o valor da casa. Ou seja, no caso da maioria dos jovens com garantia pública, o valor emprestado equivale à totalidade do preço da casa.
Porquê esta medida?
Esta medida surge num contexto de grande dificuldade de acesso à habitação por parte das gerações mais jovens, penalizadas por rendimentos mais baixos, preços elevados no imobiliário e regras mais apertadas no crédito à habitação. Ao permitir que o Estado funcione como fiador, pretende-se eliminar a principal barreira ao financiamento: a necessidade de entrada inicial, que pode facilmente ultrapassar os 30.000€ num imóvel de 300.000€.
Os números que importam
Vamos aos dados concretos divulgados pelo Banco de Portugal:
- 89% dos contratos com garantia pública financiaram 100% do valor da compra.
- Rácio LTV médio desses contratos: 99%.
- Montante médio do crédito com garantia: 190.000€.
- Montante médio sem garantia: 173.000€.
- Duração média dos contratos com garantia: 37 anos e 8 meses.
- Duração média geral: 31 anos e 10 meses.
- Taxa de esforço (peso das prestações no rendimento): mais elevada em 6 pontos percentuais nos contratos com garantia.
Isto confirma que os jovens que usam esta medida se endividam mais, em valores absolutos e relativos, e durante mais tempo. Finalmente, conseguem uma casa, mas estão a endividar-se mais e durante mais tempo. É o chamado “mal necessário”.
Onde estão a ser mais usados?
As áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto concentram a maioria destes contratos — destacando-se os municípios de Sintra, Vila Nova de Gaia e Seixal. São zonas com forte pressão imobiliária e elevada procura por habitação.
Que riscos existem?
É importante perceber que, apesar de facilitar o acesso à casa própria, esta medida aumenta o risco financeiro para quem faz estes créditos. Os jovens que entram com 0% de capital próprio ficam mais expostos a:
- Flutuações no mercado imobiliário (se os preços baixarem, a casa pode valer menos do que o empréstimo em dívida).
- Aumentos nas taxas de juro, ainda que a tendência atual seja de descida. Ficarão sem folga se já estiverem no limite.
- Compromissos financeiros prolongados, com maturidades próximas de 40 anos.
Mesmo com a recente descida das taxas de juro, o BdP alerta que a taxa de esforço voltou a subir no primeiro trimestre de 2025, sinal de que a folga no orçamento familiar continua limitada.
Quem pode beneficiar?
Para aceder à garantia pública é necessário:
- Ter entre 18 e 35 anos (inclusive).
- Comprar a primeira habitação própria e permanente.
- O imóvel não pode exceder 450.000 €.
- Não ser proprietário de outro imóvel.
- Ter um rendimento até ao 8.º escalão do IRS (cerca de 81.000 €/ano de rendimento coletável).
O Governo estabeleceu um limite global de 1.200 milhões de euros para estas garantias, distribuídas por quotas aos bancos — podendo ser reforçado caso esgote (como já aconteceu).
Exemplo prático
Um jovem casal quer comprar uma casa de 200.000 €. Sem a garantia, teria de apresentar pelo menos 10% do valor (20.000 €) como entrada, o que muitas vezes é impossível sem apoio familiar. Com a garantia pública:
- O banco financia os 200.000€ na totalidade.
- O Estado garante 30.000€ (15%) como fiador.
- O casal não precisa de entrada, mas assume a dívida total e os encargos mensais por um período potencialmente superior a 35 anos.
Podes ter uma casa, mas com responsabilidade
Esta medida é, sem dúvida, uma porta de entrada importante para muitos jovens no mercado de habitação, sobretudo em zonas urbanas onde os preços são mais elevados. No entanto, a facilidade no acesso ao crédito não elimina os riscos associados ao sobre-endividamento.
Antes de assumir um crédito de 100%, é essencial fazer contas. Avalia se a prestação mensal é compatível com os rendimentos, mantém uma reserva financeira de emergência e prevê a evolução futura da taxa de juro. A entrada facilitada não substitui uma boa gestão financeira.