Impostos

Juros e subsídio de refeição acima de 500 euros vão ter de ser declarados no IRS

Estava eu a gozar calmamente o meu fim de semana, quando deparo com esta notícia da LUSA: os contribuintes que em 2024 tiveram rendimentos de capitais, como juros, e rendimentos não sujeitos a IRS, como ajudas de custo ou subsídio de refeição, de valor superior a 500 euros vão ter de os declarar no IRS. O que isto significa?

Juros e subsídio de refeição acima de 500 euros vão ter de ser declarados no IRS

Confesso que tive de ler a notícia duas vezes para perceber o que isto significa. Comecei também a receber muitas perguntas de pessoas assustadas com um suposto aumento de impostos. 

Dois pontos logo aqui no início para dar contexto a esta notícia:

  1. Declarar coisas no IRS não significa que tenha de pagar impostos sobre o que declara;
  2. Há decisões simples que complicam de tal forma as coisas que se transformam em problemas grandes (e acho que este vai ser um deles)

Declarar rendimentos não é (necessariamente) pagar impostos

Esta obrigação de reporte - que a LUSA divulgou hoje, e que passou despercebida - consta de uma alteração ao código do IRS, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), e visa, não o pagamento de qualquer imposto adicional, mas trazer para a declaração anual IRS um retrato mais geral dos rendimentos obtidos pelos contribuintes, facilitando a leitura dos que são elegíveis para a concessão de apoios que dependem do rendimento – como sucede, por exemplo, com o apoio à renda.

Ou seja, não vai pagar impostos sobre o subsídio de refeição, por exemplo, mas ao declará-lo pode ser considerado (e é) como rendimento, baixando eventuais apoios sociais que tem atualmente.

À Lusa, Lourenço Gouveia Fernandes, da sociedade de advogados PARES, acentua isso mesmo, referindo que o reporte destes rendimentos servirá, "à partida, para que a Autoridade Tributária recolha elementos, nomeadamente, para efeitos do mecanismo previsto para a tributação de manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados, previsto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária [manifestação de fortuna]".
Ao artigo do código do IRS que determina que os contribuintes devem apresentar, anualmente, "uma declaração de modelo oficial, relativa a todas as fontes de rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária (...]", foi aditado um número prevê que, para este efeito, "são obrigatoriamente reportados, designadamente, os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias não englobados e os rendimentos não sujeitos a IRS, quando superiores a 500 (euros), bem como os ativos detidos em países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável".

Tem de declarar no IRS todos os rendimentos extra superiores a 500 euros

Apesar de considerarem que a redação da norma não é totalmente clara, e que deverá ser ainda clarificada pela AT ou nas instruções da Modelo 3 (declaração anual do IRS), os fiscalistas ouvidos pela Lusa acreditam que o limite mínimo de 500 euros se aplica a cada uma das tipologias de rendimentos individualmente.

Isto significará que uma pessoa que em 2024 tenha tido 499 euros de juros (de depósitos ou de certificados de aforro, por exemplo) não terá de preencher esse campo, mas caso tenha tido 600 euros já terá.

Até agora, não tinha de fazer nada porque quando recebia os juros dos Certificados de Aforro e depósitos a prazo já era líquido dos 28% de imposto. Só os declarava opcionalmente se os quisesse englobar e receber assim mais umas centenas de euros no reembolso do IRS.

Com esta nova medida vai ter de os declarar, mesmo que não os englobe.

Basicamente, o Ministério das Finanças vai querer saber - por si - quanto dinheiro anda a receber por outras vias (embora já o saiba através dos bancos, seguradoras, corretoras, sociedades gestoras de fundos, etc.)

Vai ter de declarar o seu subsídio de refeição

Porém, na categoria dos rendimentos não sujeitos a IRS o universo de contribuintes obrigados ao reporte será maior.

Em causa estão, como refere Samuel Fernandes de Almeida, da MFA Legal, o subsídio de refeição dentro dos limites legais, ou rendimentos em espécie não sujeitos, como é o caso, por exemplo, da atribuição de viatura ao trabalhador sem acordo escrito. As ajudas de custo são também rendimentos não sujeitos a IRS.

Tendo em conta que o limite do subsídio de refeição não sujeito a tributação é de seis euros, quando pago em dinheiro, Luís Leon, da consultora Ilya, afirma que isso significará que a maioria dos trabalhadores que recebem este subsídio terá de o reportar no IRS. Porque, mesmo sendo de valor diário inferior, facilmente irão superar os 500 euros (6 € x 22 dias = 132 € x 11 meses = 1.452 €).

Vai ser uma complicação 

Os profissionais ouvidos pela LUSA referem a dificuldade que os contribuintes terão em concretizar esta obrigação declarativa (sobretudo no caso dos juros), que, acredita Samuel Fernandes de Almeida, "será um fator adicional de complexidade e burocracia" destinado a cruzar elementos que a AT de alguma forma tem em sua posse – uma vez que os bancos já estão obrigados a reportar e a entregar à AT os valores que retêm a título de taxas liberatórias.

"Em termos de exequibilidade desta norma a nossa maior preocupação prende-se com a sua eventual tentativa de aplicação a cidadãos não residentes e nacionais de um país da União Europeia que estejam obrigados a entregar declaração de IRS em Portugal, para quem esta obrigação pode resultar num esforço desproporcional,", refere, por seu lado, Lourenço Gouveia Fernandes.

Luís Leon sublinha o caso dos juros, notando que, como o seu pagamento está sujeito a taxa liberatória (que é 'cobrada' pelo banco ou entidade pagadora destes rendimentos no momento em que 'caem' na conta do cliente), a maioria das pessoas não fará ideia de quanto recebeu ao longo do ano.

Uma das formas de o contribuinte saber o valor exato que recebeu em juros é pedir ao banco uma declaração.

A Lusa questionou os maiores bancos a operar no mercado nacional sobre a disponibilização deste tipo de declaração e eventuais custos, tendo fonte oficial do banco público afirmado que "a Caixa Geral de Depósitos disponibiliza a declaração aos seus clientes, sem custos associados".

Também o Millennium BCP adiantou que as medidas do OE2024 referidas não implicam alterações às declarações fiscais que o banco já disponibiliza aos clientes. "No caso de um cliente pretender aceder à declaração de rendimentos, poderá sempre solicitar a declaração de englobamentos de capitais, sem qualquer custo", acrescentou.

A Lusa ainda aguarda respostas dos restantes bancos.

Não vai pagar mais IRS, mas...

Lourenço Gouveia Fernandes lembra, por outro lado, que esta obrigação de reporte não implica qualquer pagamento adicional de IRS porque se trata de rendimentos ou que já pagaram imposto (via taxa liberatória) ou não estão sujeitos a tributação (caso das ajudas de custo ou subsídio de refeição dentro dos limites legais).

"Esta é uma obrigação de reporte e, apesar de agora serem declarados, estes rendimentos não deverão ser sujeitos a tributação adicional", precisou o advogado, acrescentando que o regime pode acabar por ter "pouca aplicabilidade", pois a sua finalidade "parece ser, essencialmente, para permitir um melhor controlo, das situações de manifestações de fortuna e outros incrementos patrimoniais não justificados", havendo riscos de a AT "não ter meios técnicos e humanos para fazer esta verificação em relação a todas as declarações de IRS entregues".

Esta alteração ao Código do IRS vem também obrigar à declaração de ativos detidos nos chamados ‘offshores’. Neste caso, Lourenço Gouveia Fernandes entende que a medida visa "dotar a AT de mais informação que pode ser útil no combate à evasão fiscal e aplicação de normas anti-abuso, assim como inverter o ónus da prova em caso de omissão".

Esta nova obrigação de reporte terá de ser plasmada na portaria que aprova os modelos da declaração anual do IRS – que tem de ser publicada todos os anos.

A Lusa questionou o Ministério das Finanças se os valores em causa vão estar pré-preenchidos na declaração do IRS, cabendo aos contribuintes validá-los ou não (como fazem com o valor relativo ao rendimento de trabalho, de rendas ou de pensões), mas não obteve resposta.

Em resumo, eu não estou a ver os milhões de contribuintes em Portugal a saber declarar todas estas novas obrigações, em cada uma das várias categorias, a escassos 2 meses da entrega do IRS (que começa a 1 de Abril). E o que acontece que alguém se esquecer de declarar coisas que nunca declarou? E se se esquecer de uma das categorias? Ou se não souber como saber quanto recebeu em juros no ano anterior (por exemplo, se receber juros de vários depósitos aqui e no estrangeiro, e em várias alturas do ano?

Enfim, mais uma vez verifico enquanto cidadão que a nossa vida de contribuintes não é fácil. Reconheço a necessidade de controlar e combater a evasão fiscal e os sinais de riqueza suspeita, mas antes de avançarem para medidas tão rebuscadas como esta, pelo menos ensinem aos cidadãos o que devem fazer e como. Não me parece que tenha sido o caso.


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