Bancos

Nova lei reforça proteção dos devedores na venda de créditos malparados

Entraram em vigor novas regras que permitem aos clientes recuperar créditos malparados mesmo depois de estes terem sido vendidos pelos bancos a empresas terceiras. Trata-se de uma alteração importante, que vem corrigir uma lacuna legal que, durante anos, deixou muitas famílias em situações financeiras dramáticas.

Nova lei reforça proteção dos devedores na venda de créditos malparados
Canva

Nova lei muda regras do jogo e defende mais os devedores

O decreto-lei transpõe uma diretiva europeia de 2021 que estabelece regras mais rigorosas para a venda de crédito malparado entre empresas (em geral, bancos que vendem carteira de crédito malparado a fundos) e os requisitos para as entidades que comprem esses créditos e as entidades gestoras dos mesmos.

O que está em causa: venda de créditos malparados

Segundo o preâmbulo da lei, citado pela LUSA, esta vem "garantir uma adequada proteção do devedor no contexto da cessão, garantindo que este não fica numa posição menos favorável" do que antes.

No caso de créditos à habitação, atualmente, os clientes estão impedidos de retomar o crédito (saldar a dívida incumprida, os juros e voltar a pagar o empréstimo a prestações) porque, a partir do momento da cessão (nome técnico dado à venda de créditos a terceiros), o crédito deixa de ser abrangido pelo regime legal que regula os contratos de empréstimos à habitação.

As novas regras alteram esta situação, ao estabelecer que o cliente não pode ficar numa situação jurídica pior do que antes da venda do crédito.

De “cobradores do fraque” a novos direitos do consumidor

Traduzindo por miúdos, o que isto quer dizer é que nestas novas circunstâncias os clientes só mudam de “banco”, mas os seus direitos mantêm-se. Até agora, o banco “despachava” os clientes que não pagavam a uma espécie de “Cobrador do fraque” que depois era imensamente agressivo para tentar recuperar o dinheiro em falta. Os bancos não podiam agir com essa agressividade, porque a lei não deixa. Com esta nova lei, agora passam a ter mais proteção, apesar dos bancos poderem continuar a vender esses packs de clientes devedores para deixarem de ter esse “problema”. É sempre mau, quando deixa de pagar uma prestação ao banco. Nunca deixe que isso aconteça, e se acontecer negoceie rapidamente com o banco uma solução.

Devedor tem de ser notificado da venda

Questionado pela Lusa em agosto sobre o novo regime, o Banco de Portugal explicou que este "garante que os direitos dos mutuários não sejam afetados pela cessão do crédito, consagrando o princípio da neutralidade da cessão, segundo o qual o mutuário não pode ficar em pior situação jurídica do que tinha perante o mutuante original".

No caso do crédito à habitação, os clientes "não podem, após a cessão, ficar prejudicados em relação à proteção de que dispõem de acordo com as normas legais e regulamentares em vigor sobre crédito à habitação", disse o supervisor e regulador bancário.

O regime agora publicado diz ainda que o devedor tem de ser notificado da venda do crédito após esta acontecer e antes da primeira cobrança, assim como da entidade que o adquiriu e da entidade gestora. Essa informação inclui valores em dívida e a legislação aplicável à defesa do consumidor.

O ano de 2017 é o momento a partir do qual a associação de defesa do consumidor DECO diz terem sido mais visíveis as consequências das operações de cessões de empréstimos realizadas pelos bancos para limpar dos seus balanços os créditos malparados, por orientação das entidades de supervisão bancária.

DECO denuncia abusos desde 2017

A DECO disse à Lusa que, nos últimos anos, encontrou "atropelos" aos direitos dos consumidores nas vendas de crédito à habitação a empresas externas, sobretudo desde aquele ano.

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) anulou em outubro de 2024 e em maio de 2025, em dois acórdãos semelhantes, a venda de empréstimos à habitação realizadas por bancos a empresas não supervisionadas pelo Banco de Portugal, por ver "fraude à lei" nas operações.

O decreto-lei agora publicado, que entra em vigor daqui a três meses, resulta da transposição de uma diretiva aprovada em 2021 que tinha de ser transposta até ao final de 2023. Este atraso levou a Comissão Europeia, já este ano, a abrir um procedimento contra Portugal no Tribunal de Justiça da União Europeia.

Se alguma vez - espero que não - ficar nesta situação, releia esta lei e veja como ela o pode proteger.



Disponível online, livrarias e supermercados.